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Sobre o triste caso de Dom Casmurro e Capitu

Atualizado: 29 de abr.

A vida humana não somente reflete-se em nossas memórias e em percepções alheias, mas muitas vezes registra-se com bastante riqueza de detalhes na literatura, muito por conta da própria habilidade do escritor. Muitas obras literárias nos oferecem um material abundante para refletir e perscrutar as minúcias do comportamento humano, e esta arte não invalida-se com o tempo, visto que obras de décadas, séculos e até milênios possuem os mesmos resultados quando a perspectiva é a vida humana.

Hoje trago à reflexão o conhecido escritor Machado de Assis que possui algumas obras que servem-nos para este fim que até aqui tenho comentado. Uma delas é a obra Dom Casmurro, uma narração em primeira pessoa do próprio personagem que traz ao leitor uma autobiografia com todas as lembranças possíveis e convenientes ao senhor Bentinho, diminutivo de infância do mais tarde nomeado senhor Dom Casmurro, este por sua suposta “carrancudice”.


Supondo que já é conhecida a obra citada, gostaria de destacar a questão relevante. Trata-se de um olhar mais cauteloso e profundo à motivação do senhor Dom Casmurro que o levou ao término de um casamento tão desejado desde a meninice e para o qual trabalhou tanto a fim de desvencilhar-se de uma promessa de sua mãe, que o “condenava” ao celibato sacerdotal. Depois de casados, passados alguns anos, Casmurro e Capitu viram nascer seu primogênito, um menino ao qual deram-lhe o nome de Ezequiel. Com o passar dos anos, assistindo o crescimento deste menino que devotava muito amor ao pai, Casmurro colecionou alguns acontecimentos, como a morte da mãe e do amigo Escobar, que fora seu colega de seminário e que após sua saída deste internato, viera habitar perto de Casmurro e Capitu, tendo casado coincidentemente com uma amiga de Capitu, Sancha. A esposa de Escobar já havia descoberto e perdoado alguns deslizes de Escobar com outras mulheres, e viviam aparentemente bem, tendo uma filha alguns meses mais velha que Ezequiel.


Estes dois casais viveram períodos de paz e harmonia, como bons amigos. Mas tudo começa a mudar quando uma percepção começa a crescer na mente de Casmurro, a de que seu filho possui algumas características que não necessariamente são as mesmas que de sua mãe e especialmente de seu pai. Começa então a persistir e crescer uma sombra acerca de seu filho, que aos olhos de Casmurro parece-se cada vez menos com ele e mais com Escobar, seu antigo amigo de seminário. Acontece que essa percepção começa a ganhar força de uma possível traição de sua esposa, percepção esta que começa a crescer logo após a morte de Escobar, algo muito dramático para Casmurro que tinha Escobar como um verdadeiro irmão.


Aos poucos esta sombra começa a tomar conta de si, do seu tempo, devorando-lhe inteiramente como um parasita esfomeado. Logo começa a buscar na memória momentos em que provavelmente sua esposa teria negado sua presença como subterfúgio para encontros amorosos com Escobar. Sua mente começa a lembrar de datas, de momentos em que possivelmente poderiam ser momentos de oportuno encontro sem o perigo de um flagrante deste crime. Assim, aos poucos cresce a solução derrdeira do suicídio, pensa em tomar veneno para pôr fim a sua vida atualmente masserada pela dúvida da traição, mesmo sem provas.


Muitos defendem que Capitu tivesse realmente traído Dom Casmurro, especialmente porque na obra, ela não chega a negar claramente tal hipótese, apenas aceitando a decisão do marido em separar-se dela. Mas ainda é difícil afirmar categoricamente e sem erro que a traição aconteceu. Preciso lembrar que toda a narração acontece nas palavras e percepção de Dom Casmurro, não se tratando de um depoimento livre de paixão e conveniência. Pelo que parece-me mais plausível a hipótese de uma alienação dos fatos por parte de Casmurro, algo totalmente possível a qualquer pessoa que diante de choques emocionais relevantes em sua vida, começa a sentir a pressão por definir algo sem muitas evidências visíveis e materiais. Este estado cognoscível-emocional de Casmurro pode ter ajudado a adulterar a própria realidade em que vivia, algo que o fez tomar decisões de profundo impacto na vida de sua esposa e filho.


Enfim, não consigo juntar-me aos que acreditam piamente que houve traição, pois Machado de Assis nos deixa evidências somente deste estado cognoscível-emocional de Dom Casmurro, mais do que possíveis provas de traição de Capitu. Parece que Machado de Assis pode nos lembrar mais uma vez que a razão humana anda junto com um saudável estado emocional.


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