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Sobre “Chaplinianas”

[22/03/2010] Sempre acompanho as críticas e o que se escreve sobre música, por puro interesse no assunto.


Esta coluna de sábado (20/03/2010) do Caderno Cultura do Jornal ZH realmente me chamou a atenção para estes graciosos filmes do Chaplin que já tinha como preferidos. Mas acredito que o ponto mais importante deste artigo sobre os enredos musicais dos filmes de Chaplin está no final do mesmo texto: a capacidade de todo ser humano buscar a naquilo que ele julga enfadonho algo belo que lhe aprecia.


Abaixo segue o artigo.


Nunca tive paciência com Charles Chaplin ou o seu Carlitos. Desculpe-me o leitor se ao final da primeira frase já me considera um monstro. É que para os da minha geração, embora tenhamos chegado tarde para apreciar o auge de Carlitos, não gostar de Charles Chaplin era uma heresia, um crime de lesa-majestade. Mas a verdade é essa e a sinceridade me impele: prefiro passar ao largo dos filmes de Chaplin, mudos ou sonoros, preto e branco ou coloridos, com Carlitos ou sem Carlitos, com bengalinha e chapéu coco. Só me reconciliei com Chaplin na pior situação possível – gostando um pouco do seu filme derradeiro, A Condessa de Hong Kong, unanimemente apontado como a mais decadente de todas as suas direções. Para que Sophia Loren e Marlon Brando no elenco, perguntavam os críticos, se o filme era mesmo uma droga? Lembro um crítico local, escandalizado porque Chaplin terminava sua carreira no cinema fazendo papel de camareiro bêbado e mareado, pois assim ele aparece no filme.

Foi precisamente através de A Condessa de Hong Kong que voltei a encontrar Chaplin um dia desses, ainda corria o verão. Mas dessa vez era um outro Chaplin. Não era mais o cineasta, era agora o compositor. Sim, Chaplin compôs a música para grande parte dos seus filmes embora fosse um compositor um pouco como Paul McCartney – não sabia ler música, não sabia escrever música, as regras do contraponto e da harmonia lhe escapavam – mesmo assim foi músico. É dele Smile, que até hoje se canta, e também Luzes da Ribalta, menos cantado hoje do que já foi no passado e mesmo assim uma ótima canção. É dele também This Is My Song que, quando eu quis lembrar, me fez procurar entre vinis empoeirados um de capa amarela com a trilha sonora de A Condessa de Hong Kong. Supresa das surpresas! A memória não havia me traído – a música é boa.

Mais do que isso: a música é muito boa.

Uma vez, meados dos anos 1930, Charles Chaplin e Igor Stravinsky se aproximaram. A vida de compositor começava a ficar inviável para Stravinsky na Europa, e Hollywood e a música para cinema pareciam um horizonte mais viável.
Chaplin foi uma das primeiras promessas. Contatado por intermediários, Stravinsky logo respondeu sobre a perspectiva de uma parceria: “a ideia não me parece, de maneira alguma, utópica”. Durante anos ele acalentou o sonho dessa parceria que nunca se materializou. Depois de muito esperar por um sinal do cineasta, Stravinsky perdeu a paciência. Numa carta de janeiro de 1938 ao seu companheiro de concertos, o violinista Samuel Dushkin, ele diz: “Estou te enviando uma cópia da infeliz carta que enviei a Chaplin, cujo destino continuo a ignorar. Insisto no assunto talvez por causa de minha teimosia pois, na verdade, já nada mais espero de Hollywood ou de uma parceria com Chaplin”. Assunto encerrado. Stravinsky não entrou em Hollywood, a não ser no primeiro Fantasia, de Walt Disney, e Chaplin seguiu como compositor de suas próprias trilhas sonoras.

Pois vim descobrir agora (redescobrir, quem sabe?) que se Chaplin não era nenhum Stravinsky, mau compositor também não era. Como é de praxe na música de cinema, as suas trilhas foram desenhadas, buriladas, terminadas por um sem fim de colaboradores. Isso é comum: mesmo Alex North, compositor de cinema como poucos houve, tinha colaboradores.

Henry Brant, um bom compositor por seus próprios méritos, esteve por trás de cada nota que North escreveu para 2001 – Uma Odisseia no Espaço mas vale lembrar que Stanley Kubrick, diretor do filme, não usou nenhuma dessas notas. John Williams tem colaboradores. O mesmo acontece com Hans Zimmer. Esse costume da música colaborativa está tão enraizado no cinema que se poderia bem dizer como se diz na pintura. Lá se diz “do ateliê de Rembrandt” quando a pintura tem proximidade com o pintor mas não se sabe se a mão é de fato dele. Nada mais justo. Então que se diga também “do ateliê de John Williams” e, no caso de A Condessa de Hong Kong, que se diga “do ateliê de Charles Chaplin”.

É raríssimo o caso do diretor que é seu próprio compositor. Há Chaplin e há Clint Eastwood. Se há outros – e deve haver –, a memória agora não consegue recuperar. O mais comum é que diretores tratem seus compositores como uma espécie de alter ego.

Hitchcock e Bernard Herrmann, Fellini e Nino Rota, Spielberg e John Williams. Neste sentido, Charles Chaplin foi um pouco como Richard Wagner, que também queria fazer tudo sozinho.

Dessas megalomanias me ficou uma constatação interessante: se não consigo suportar uma parte de Chaplin – a parte do cineasta –, há outra que posso admirar com certo embasbacamento – a parte do compositor. É bom encontrar esses artistas que são vários. Pois num minuto detesta-se um. E no minuto seguinte se admira o outro. E os dois são... o mesmo.

CELSO LOUREIRO CHAVES* | * Músico | ZH 20/03/2010

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