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Telas nas salas de aula, um debate complexo

Traduzido do Espanhol por Valderi da Silva

16 de jul. de 2023

ESPANHA

Há alguns dias, a ministra da Educação sueca, Lotta Edholm, anunciou que iria frear a progressiva digitalização da educação no país. Sem entrar em detalhes, mais como uma declaração de intenções, ela apontou o alarme no governo do qual faz parte pelos maus resultados do país no Relatório PIRLS, estudo semelhante ao famoso PISA da OCDE. De acordo com suas conclusões, nos últimos cinco anos, a capacidade de compreensão de leitura das crianças suecas passou de alta para intermediária, um resultado talvez não catastrófico, mas preocupante para seus padrões habituais.

 

O PIRLS, conhecido por sua sigla em inglês, é o International Study of Progress in Reading Comprehension da International Association for the Evaluation of Educational Achievement (IEA), teste que avalia a compreensão leitura de alunos da 4ª série do Ensino Fundamental. O PISA, muito mais conhecido na Espanha, mede habilidades básicas em ciências e matemática, além da compreensão de leitura. Desde 2013, a Suécia e seus vizinhos nórdicos vêm registrando resultados cada vez piores nela, quando no início do século eram referência europeia. Ainda em 2020, o jornal Expressen descobriu um escândalo de fraude: as autoridades educacionais tentaram falsificar os resultados suecos de 2018.

 

Ainda é cedo para avaliar os efeitos que a reforma sueca terá, como concordam os especialistas com quem falamos. Antes, seria preciso conhecer os detalhes específicos dessa “desescalada digital” em sala de aula. Isabel Dans, professora da Universidade de Santiago de Compostela e investigadora em Didática e Educação Digital, explica que “há uma corrente na pedagogia que começa a levantar a voz sobre a necessidade da caligrafia e da leitura tradicional. Nos centros educacionais espanhóis há uma demanda para retornar ao texto, meninos e meninas que dizem: ‘Professor, eu estudo melhor no papel’. É uma realidade, embora não se fale muito, porque parece que é como pedir para reverter um investimento tão grande com que fez estes anos em ferramentas tecnológicas.”

 

A pedagoga é prudente com o que tem sido anunciado na Suécia e duvida que as declarações da ministra da Educação se traduzem numa posição maximalista. A maioria dos especialistas, assegura: “estamos numa posição intermédia, que não é tudo ou nada. Isso implica admitir que se depositou muita confiança na digitalização e, apesar disso, muitos problemas educacionais não melhoraram, mas que não podemos eliminar toda a tecnologia da sala de aula. A remoção total das telas também teria seus problemas”, diz Dans. “Precisamos educar a saber usar os ecrãs, investir na ética e no cuidado digital, porque o digital está em todo o lado e o que não se ensina na escola aprende-se fora. Não sou a favor da retirada das mídias tecnológicas das escolas, mas é preciso levar em consideração que elas podem não ser úteis para o aprendizado da escrita e leitura tradicionais”, afirma.

 

Dans lembra que não há estudos que relacionem diretamente os maus resultados na compreensão de leitura com as telas, mas dizem que não servem para o contrário. Em 2015, a OCDE publicou o relatório Estudantes, Computadores e Aprendizagem: Fazendo a Conexão. Concluiu que os países que mais investiram na introdução da tecnologia digital no setor educacional não apresentaram melhorias claras no desempenho dos alunos. Além disso, esta pesquisa já recomendou garantir um nível básico em alfabetização e matemática da maneira tradicional antes de criar oportunidades iguais no ambiente digital antes de introduzir mais ferramentas tecnológicas na sala de aula.

 

Mesmo dentro da própria Suécia, essas críticas não são novas. O mais importante especialista em falar contra certas abordagens contemporâneas ou fetichismo da tecnologia e autonomia do aluno é o pedagogo Inger Enkvist, autor, entre outros, de dois livros altamente influentes: Education in Danger (2001) e Rethinking Education (2006). Enkvist foi assessor do governo sueco durante anos e é conhecido na Espanha por ter traduzido autores como María Zambrano, Fernando Savater, Juan Goytisolo e Mario Vargas Llosa para o sueco.

 

A pedagoga e hispanista criticou, mais do que a tecnologia nas aulas, muito menos comum em 2001, os modelos educativos que rapidamente começaram a ser associados a ela. Por exemplo, o aumento da autonomia do corpo discente sobre alguns objetivos de aprendizagem padronizados. Em 2017, Jonas Linderoth, professor da Universidade de Gotemburgo, juntou-se a esses críticos, que argumentavam que o colapso progressivo da Suécia em relatórios como o PISA se devia à má aplicação dessas políticas. Como continua a afirmar até hoje, a liberdade de aprender, através de meios tecnológicos, é útil para alunos que já possuem uma base de conhecimento, mas não nos níveis mais básicos, onde ainda são necessários os métodos mais tradicionais. Linderoth destacou como esse modelo acaba servindo para aumentar as desigualdades e diminuir o nível educacional geral.

 

“O problema é que o uso da tela é criminalizado e vinculado aos resultados de estudos como PIRLS ou PISA sem entender que são uma ferramenta, e sua eficácia depende do uso que lhes é dado”, explica Julia Mañero. Este especialista é professor de Educação Artística na Universidade de Sevilha e especialista em pós-digitalidade na sala de aula, uma abordagem que propõe não tanto essa "desescada" sueca como "uma sala de aula híbrida, na qual o livro analógico continua existir, mas também uma utilização crítica das ferramentas digitais, tendo consciência das suas vantagens e desvantagens”.

 

“As ferramentas tecnológicas per se não são inovadoras, mas a sua utilização. Eles podem ajudar na compreensão da leitura… ou você pode usar um livro didático e obter o mesmo resultado”, explica. Ele também duvida que a intenção da Suécia seja “remover totalmente o digital da sala de aula, pelo tempo em que vivemos. Seria separar a educação de uma sociedade totalmente mediatizada e centrada nas telas. Se houver uma evolução “antes será no sentido de dar-lhes um uso consciente, sabendo para que os queremos, numa educação híbrida. O livro didático e o tablet ou lousa digital não se excluem mutuamente, o que é necessário é uma convivência harmoniosa entre os dois”.

 

Dans acrescenta que no caso da Espanha, em muitos centros “já coexistem o tablet e o notebook ou o livro tradicional. Muitos professores lhe dirão como desenhar, tocar, escrever à mão... ajudam no desenvolvimento, na memória e na criatividade. As mídias digitais são úteis, mas devemos combiná-las com a caligrafia e a leitura tradicional. Aprender a andar de patinete elétrico é bom, mas primeiro você precisa saber andar.

 

Ambos os especialistas concordam em não incidir na conhecida “falta de formação de professores. É responsabilizar quem está em sala de aula pelas políticas gerais e também é um tema que sempre é usado”, diz Dans. Além disso, “o treinamento que se dá geralmente é sobre como ligar ou desligar as ferramentas, questões técnicas, não seu uso pedagógico, não faz sentido”, acrescenta Mañero. “As telas são inevitáveis. O que está errado é vinculá-las a uma aprendizagem mais tradicional sem avaliar a sua utilidade”, conclui Dans.


 

Link original: https://ethic.es/2023/06/pantallas-en-las-aulas-un-complejo-debate/

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