ACI Digital
3 de mar. de 2020
HONG KONG
O Cardeal Joseph Zen Ze-kiun, Bispo Emérito de Hong Kong e firme opositor do acordo provisório entre o Vaticano e a China para a nomeação de bispos no país asiático, respondeu à carta escrita sobre o assunto há alguns dias pelo Cardeal Giovanni Battista Re, novo decano do Colégio de Cardeais, o qual assinalou que o Purpurado chinês difere em sua visão da dos Papas São João Paulo II e Bento XVI.
Na carta de 26 de fevereiro, o Cardeal Re destaca que o acordo entre o Vaticano e a China, assinado em setembro de 2018, representa com fidelidade as ideias de São João Paulo II e Bento XVI, e que o Cardeal Joseph Zen Ze-kiun se equivoca em sua oposição a este.
“O Cardeal Zen afirmou várias vezes que seria melhor não ter um acordo do que ter um 'mau acordo'. Os três últimos Papas não compartilharam esta posição e apoiaram e acompanharam a redação do acordo que, no momento, parecia ser o único possível”, afirmou o Cardeal Re em sua carta publicada no site italiano La Nuova Bussola Quotidiana.
"É particularmente surpreendente a afirmação do Purpurado (Zen) de que ‘o acordo assinado é o mesmo que o Papa Bento se negou a assinar naquela altura’. Essa afirmação não corresponde à verdade”, disse o Cardeal Re.
"Depois de ter tomado nota pessoalmente dos documentos existentes no atual arquivo da Secretaria de Estado, posso assegurar" que "o Papa Bento XVI aprovou o rascunho do acordo sobre a nomeação dos bispos na China, que só foi possível assinar em 2018”, acrescentou o Cardeal Re em sua carta aos cardeais.
O decano do Colégio Cardinalício também assinalou que "a expressão ‘Igreja independente’ já não pode interpretar-se de maneira absoluta, como 'separação' do Papa, como era o caso no passado".
No domingo, 1º de março, o Cardeal Zen respondeu à carta do Cardeal Re através de uma carta aberta publicada em seu blog pessoal.
O Cardeal Zen recordou em sua carta uma passagem do livro de entrevistas do jornalista alemão Peter Seewald com o Papa Bento XVI intitulado "Últimas Conversas", no qual Joseph Ratzinger fala da Ostpolitik de São João Paulo II, ou seja, das relações da Santa Sé com os países do bloco soviético.
“Conversávamos sobre isso. Era claro que a política do (Cardeal Agostino) Casaroli, apesar de ter sido realizada com as melhores intenções, havia fracassado”, disse Bento XVI no livro citado pelo Cardeal Zen. O Cardeal Casaroli, falecido em 1998, foi quem desenvolveu inicialmente o Ostpolitik do Vaticano, durante os pontificados de São João XXIII e São Paulo VI.
“As novas linhas seguidas por João Paulo II foram o resultado de sua experiência pessoal, do contato com esses poderes. Naturalmente, então, não se podia esperar que esse regime caísse rápido, mas era claro que, em vez de ser conciliadores e aceitar compromissos, era necessário se opor fortemente. Essa foi a visão de fundo de João Paulo II que eu compartilhava”, escreveu o Cardeal chinês em sua resposta ao Cardeal Re.
O Cardeal Zen também indicou que, para provar que o acordo assinado entre o Vaticano e a China para a nomeação de bispos “já havia sido aprovado por Bento XVI, basta me mostrar o texto assinado, que até agora não me deixaram ver, assim como a evidência do arquivo que você pôde verificar. Restaria apenas explicar por que não foi assinado então”.
Do mesmo modo, indicou que "a mudança de época do significado da palavra 'independência', temo que exista apenas na cabeça do eminentíssimo Secretário de Estado", Cardeal Pietro Parolin, "induzido, talvez, por uma tradução errada do chinês feita por alguém da Congregação para a Evangelização dos Povos”.
O Cardeal Zen indicou que essa pessoa foi "também responsável pelos ao menos 10 erros de tradução da carta do Papa Bento de 2007" aos fiéis da China, um texto que o governo comunista não permitiu que fosse divulgado, obrigando, inclusive, que fosse retirado dos diversos sites católicos.
“No entanto, dada a inteligência de sua Eminência, é difícil para mim acreditar que tenha sido enganado. É mais provável que tenha querido ‘se deixar enganar’", continuou o Cardeal Zen em sua resposta ao Cardeal Re.
"Tenho evidências de que Parolin manipula o Santo Padre, o qual sempre me manifesta muito carinho, mas não responde minhas perguntas", acrescentou.
“Frente às posturas da Santa Sé que eu não consigo entender, a todos os irmãos desolados que vêm a mim, digo para não criticarem aqueles que seguem essas indicações. No entanto, nelas ainda se deixa liberdade a quem tem objeção de consciência. Exorto estes a se retirarem às catacumbas, sem se oporem a qualquer injustiça, pois de outro modo terminariam perdendo mais” ressaltou.
"Sobre o que eu estou errado?", questionou em seguida. "Estou cem por cento de acordo com o convite a rezar", destacou.
Em recente entrevista à CNA – agência em inglês do Grupo ACI –, o Cardeal Zen disse que “a situação é muito ruim e a fonte disso não é o Papa que não sabe muito sobre a China. O Santo Padre Francisco tem um carinho especial por mim”.
Agora, continuou o Cardeal, "estou lutando contra Parolin porque as coisas ruins vêm dele".
"Você não pode se comprometer" com o Partido Comunista Chinês, porque eles são "perseguidores" da fé, continuou o Cardeal Zen. "Eles querem a rendição total. Isso é comunismo”, acrescentou.
A situação dos católicos da China
Em abril de 2019, Pe. Bernardo Cervellera, especialista em Igreja Católica na China e editor da agência de notícias ‘Asia News’, informou que, "em muitas dioceses, a Associação Patriótica e o Departamento de Assuntos Religiosos continuam exigindo que todos os sacerdotes se inscrevam na associação e mantenham a 'Igreja independente'”.
Na China, existe a Associação Católica Patriótica Chinesa, controlada pelo governo, e a Igreja clandestina ou subterrânea, que sempre permaneceu fiel à Santa Sé.
Na prática, afirma Pe. Cervellera, ao invés de "reconciliação" entre a Associação Patriótica e a Igreja clandestina ou subterrânea, com o acordo provisório entre a China e o Vaticano para a nomeação de bispos, "há uma grande pressão sobre a comunidade subterrânea com forte interferência na vida da Igreja", uma pressão que cresce a cada dia e deixa os fiéis católicos no país sem opções.
A bordo do avião no regresso de sua viagem à Letônia, Lituânia e Estônia no final de setembro de 2018, o Papa Francisco disse aos jornalistas: "Eu sou responsável" pelo acordo entre Vaticano e China.
Sobre os bispos chineses que não estavam em comunhão com a Igreja até antes do acordo, Francisco disse que “foram estudados caso por caso. Para cada bispo fizeram um expediente e estes expedientes chegaram à minha escrivaninha. E eu fui o responsável por assinar cada caso dos bispos”.
Quanto ao acordo, Francisco disse que “a coisa é feita em diálogo, mas nomeia Roma, nomeia o Papa. Isso está claro. E rezamos pelos sofrimentos de alguns que não entendem ou que têm nas costas muitos anos de clandestinidade”.