Em 1874 eram publicados os escritos de Machado de Assis que comporiam o livro A Mãe e a Luva, um pequeno romance que não esconde a desenvoltura e a genialidade deste escritor que praticamente elevou a literatura brasileira para um nível não atingido antes dele.
Apesar de um curto romance, A Mão e a Luva traz um desenvolvimento interessantíssimo sobre o estudo de personalidade que os personagens carregam consigo e que pode desdobrar-se mais ainda quando os vemos como figuras de características sempre presentes nos indivíduos, independente do século. Este visão da personalidade dos personagens que Machado registra em sua obra parece-me que auxilia também o leitor a entender a profundidade do drama que o escritor desejou expressar que cada ator da cena vivenciou em seu romance, pois algumas vezes, o leitor pode não perceber a real profundidade do drama que o personagem vive e simplesmente passar os olhos pela narração como certa displicência.
A literatura machadiana sempre me chamou muito a atenção pela riqueza dos dramas e diálogos, algo que sempre me faz pensar em outro escritor que também admiro pelas mesmas características, Fiódor Dostoiévski.
O drama do personagem Estevão parece não ser o central na obra depois de algumas páginas, mas quando terminamos a leitura começamos a perceber que Machado começa com ele e termina com ele sua narração, e isto não me parece algo fortuito ou mero recurso literário. Na verdade, parece-me que a figura de Estevão, em sua apatia interna e falta de vigor moral e clareza racional, refém de um espírito suscetível a qualquer paixão rasa e sem fundamento, revela muito mais que simplesmente um “adoslecente abobado” que não amadureceu, revela a imagem de uma sociedade carente de fundamento, carente de formação interior e de firmeza moral. Estevão não é uma vítima de Guiomar, seu amor não correspondido, muito menos de Luís Alves, seu amigo que acabou por realizar o sonho que era de Estevão. Estevão é na realidade e ao final de todos os fatos, vítima da própria fraqueza, da própria cortina de fumaça alimentada pela debilidade de seu espírito que enxergava em alguém que nem conhecia direito uma grande paixão.
A bela Guiomar, que para muitos leitores poderá parecer fria e sem piedade, não foi a causadora da ruína sentimental de Estevão e nem o fracasso da investida de Jorge, sobrinho de sua madrinha, com quem morava. Guiomar sim, parece-me ser vítima, e vítima de sua simples e pura natureza de pessoa sóbria, serena, sem excessos e sem intenções. Poderia dizer que se Guiomar teve culpa de algo, foi por ser submissa de modo excessivo aos sentimentos de sua madrinha, que por vezes parecia aprisionar-lhe numa redoma onde tudo devia ser muito bem medido no falar e expressar para não desapontar aquela a quem devia o acolhimento como filha em sua casa. A aparente frieza de Guiomar diante da paixão doentia de Estevão não era maldade, mas apenas sinceridade de quem não via convicção emocional em tal espírito ao ponto de despertar um possível sentimento recíproco. Algo que em Luiz Alves encontrou sem muita demora e a tempo de vencer sua submissão sentimental à madrinha e fugir de um casamento indesejado com Jorge.
Não sou muito favorável por resumir histórias, mas encanta-me a possibilidade de apresentar o cenário em que o leitor poderá encontrar por si mesmo outras tantas impressões significativas dos personagens desenvolvidos pelo escritor, que em realidade não deixam de expressar os resultados das observações que o mesmo escritor tirou da sociedade em que vivia em seu tempo.
Existem várias definições sobre as pessoas que se apaixonam facilmente e doentiamente, mas o nosso personagem destacado desta história, o infeliz Estevão, se encaixaria na definição mais atualizada de erotomania, uma doença psiquiátrica em que o indivíduo tem a ilusão de que a outra pessoa está apaixonada por ela e nutre internamente esta paixão. Claro que Guiomar nunca mostrou isso a Estevão, mas em sua ilusão, ela seria sua natural paixão e deveria ser a luva para a sua mão. O que mostra o quanto a crueza da realidade não ameniza o resultado para os doentes de espírito.
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