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Diante da tragédia


Diante de eventos inegavelmente indesejados e vergonhosos para a natureza humana, sempre a turba repete em quase uníssono “que mal fizeram estes para sofrer tamanho desastre?”. Em realidade qualquer infortúnio acaba por trazer à rasa reflexão de muitos uma espécie de “discurso multi utilitário", isto é, que tanto serve como palavras de certo conforto espiritual, como engajamento em algum movimento de indignação em vista de uma solução (que nem sempre fica clara a quem o pensa assim), como também de mera anestesia intelectual aos emissores desta rasa reflexão, um objetivo inconsciente de não esforçar-se por elaborar mais o que se traduz em palavras proferidas diante destes tipos de eventos.


No último dia 05 de abril deste ano, os brasileiros depararam-se com a horrível notícia de um homem de maior idade, invadindo uma escola de ensino infantil e desferindo golpes com um pequeno machado em várias crianças, aleatoriamente. Isto levou ao menos a morte de quatro crianças entre 5 e 7 anos de idade. Um evento inegavelmente horrível apenas pelo fato de saber que ocorreu entre seres humanos, e principalmente vitimando crianças indefesas e inocentes. E é diante deste tipo de evento trágico que a turba reverbera as mais epidérmicas reflexões, que bem na verdade são apenas jargões que sobrevoam no coletivo social, algo que não expressa quase nada de verdade, mas mesmo que alguém possa contrariar isso, ao menos posso dizer que revela a irreflexão do ser humano sobre os próprios fatos da vida que recebe conscientemente durante sua vida.


O que destaquei logo no início nos traz estes pontos que julgo importantes para que, honestamente, possamos afinar nossa condição de seres racionais e espirituais. Diante da tragédia mencionada, encontramos o questionamento sobre a possível culpabilidade das vítimas - “que mal fizeram…” -; a dúvida sobre a liberdade do agressor por agir assim; quem de fato sofreu o desastre?; e por fim, a incerteza sobre a realidade além morte, que ainda precisa ser aprofundada.


Culpabilidade das vítimas

Vejamos bem que não é uma afirmação, mas dentro de um questionamento fantasioso, uma incerteza sobre a de quem seria a culpa por tamanha atitude. Quem é culpado por um homem entrar numa escola e matar a machadadas algumas crianças? Deixando de lado a questão de segurança da escola e me fixando somente na reação pos factum, parece-me raso demais levantar o questionamento sobre que culpa teriam cometido as vítimas falecidas pela atitude deste assassino. Alguém, considerando certa noção - mesmo que vaga - sobre uma possível responsabilidade de vidas passadas, poderia afirmar que as crianças sofreram pelos erros de outros, talvez familiares, mas é impossível afirmar categoricamente que estas crianças exerceram a função de “bodes expiatórios” por erros de outras vidas, levando em consideração que alguém lance mão deste tipo de argumento, pois para isso, deverá aceitar que não entende a realidade eterna pós morte como realidade singular e definitiva, mas como algo volátil e que não determina a morada de uma alma consciente.


Liberdade do agressor


Ademais, o dito anteriormente negaria quase que totalmente a liberdade individual do agressor. Liberdade esta que incide especialmente sobre sua consciência, vontade e inteligência. De fato, o indivíduo não poderia ser apenas uma marionete numa espécie de joguete da história, pois sua ação é precedida de uma convicção mental que gera sua impulso que move sua vontade. Negar a liberdade neste caso seria afirmar que não precisamos contestar o fato, nem sofre por ele, muito agir de qualquer maneira para impedir algo semelhante, pois tudo seria “carta de um jogo que está sendo jogado”, ou seja, tudo dentro da normalidade.


Os que sofrem


Junto a isto, lembro que a morte não é o fim de tudo e que acredito que além do momento trágico da morte, não existe mais dor e sofrimento. Por isso, cabe lembrar quem realmente sofre com este tipo de evento. Parece bem certo dizer que os sofredores são os indivíduos mais próximos destas vítimas fatais, como os pais em primeira ordem, depois os outros familiares e amigos, e um pouco mais distante do ponto central de sofrimento, a sociedade inteira que sensibiliza-se de alguma forma com tamanha tragédia.


Por uma coincidência da história, estes que sofrem, encontram vivendo o período cristão da Semana Santa, o que nos remete ao sofredor maior por todo o gênero humano, Jesus Cristo. Não penso que deva-se apenas conformar-se com a dor, mas vivê-la com a consciência serena de quem precisa refletir sobre a vida, sobre o mundo, sobre a história. Com certeza sobre mais quem não gasta seu tempo encontrando em si mesmo a resposta para a realidade humana, que é maior que um simples jargão repetitivo.


Além da morte


Por isso, a realidade além da morte sempre aparece nesses momentos, porque de fato nunca deixou de acompanhar a vida humana. É por este motivo insisto na necessária reflexão do ser humana sobre a realidade eterna, algo que não traz apenas conforto para esta vida, mas traz serenidade e clareza sobre como precisamos viver nossos dias, de como educar nossos filhos, de como tomar consciência dos atos mais variados que são proferidos pelo exercício livre da vontade humana em nosso mundo.


Não penso que tragédias como esta que hoje comento, devam servir de instrumento promocional, mas que devam servir de alimento e exercício intelectual e espiritual para todos os seres humanos.

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