Foi-me uma grata surpresa a leitura do livro A Falência (1901), da escritora Júlia Lopes de Almeida, publicado no início do século XX. Um romance situado numa época de muita rentabilidade para os comerciantes de café no Rio de Janeiro, e onde a riqueza cresce facilmente e como que autonomamente, também os mais perversos vícios humanos florescem, esperando a hora certa de modificar drasticamente a rotina feliz e opulenta destes que cegam-se aos perigos por causa da inebriante riqueza.
A família Theodoro, era uma família rica no comércio cafeeiro, e demonstravam isso com facilidade através das opulências que faziam-se desfilar diante da sociedade local, especialmente através das luxuosas roupas de dona Camila, esposa de Francisco Theodoro, e das filhas deste casal, a menina Ruth e as gêmeas, Lia e Raquel. Pois é justamente neste cenário de quase fastio pela facilidade do dinheiro que seu Francisco Theodoro fazia jorrar na casa da família, que também se favoreceu os sorrateiros vícios humanos, como o de dona Camila que facilmente procurou noutro homem sensações românticas que não queria mais buscar em seu marido, talvez pelo jeito rude deste, fruto do árduo trabalho que o fez chegar até onde se encontrava na sociedade. Foi nos olhares de um médico, Gervásio, que Camila alimentou a traição moral, o vício da luxúria fortificava-se em seu espírito, cegando-a para a virtude familiar e especialmente considerando sua missão materna de exemplo às filhas ainda em fase de crescimento. Claro que este doutor Gervásio também cedia aos braços da luxúria e sensualidade, de quem já se deleitara outras vezes de modos diferentes, como ao findar do romance se ficará sabendo. A escritora, talvez de propósito ou não, coloca este doutor como agnóstico e cético quanto a qualquer manifestação fora de seu suposto arcabouço científico, e isto parece ser uma característica marcante de muitas “vítimas” da luxúria e da sensualidade.
O senhor Theodoro não santifica-se, apesar de seu fim lamentável, pois sua conduta apaixonada pela riqueza em si, o fez cegar a si e também sua casa ao que realmente poderia edificar-se numa família feliz e sem dificuldades. Sua vaidade estava na própria vida sofrida e persistente que o fez galgar degraus de sucesso nos negócios, o que despontou numa existência apenas significada pela riqueza, o que se revelará sua ruína final.
Acredito que já disse o suficiente sobre este romance, mas vale a pena ressaltar que de tudo o que lemos, mesmo considerando a posição intelectual do escritor, deveria-se esperar de nós uma compreensão sensata, destacado a única coisa que une escritor e leitor, independente do tempo entre ambos, a existência manifestada, ou apenas “o ato de que vivemos com outros”.
A escritora Júlia Lopes de Almeida possui outras obras a serem descobertas e lidas, e aqui uno-me a todos os que já a tem como escritora digna de lembrança e louvor no universo literário brasileiro.
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